Mudar de país é…

Mudar de país é passar por uma reconstrução profunda de como você vê o mundo e a si mesmo.

Mudar de país é uma aventura que transcende a logística e a adaptação prática; é também uma profunda transformação psíquica. Ao embarcar em uma nova jornada como expatriado, você não está apenas mudando sua localização geográfica, mas também mergulhando em um processo complexo de redescoberta e adaptação de identidade. 

Cada um de nós é moldado pela cultura de onde viemos. Nossa cultura natal nos fornece um conjunto de referências simbólicas e identitárias que usamos para interpretar o mundo e encontrar sentido em nossas experiências. Quando você migra para outro país, depara-se com a perda ou transformação dessas referências internalizadas. De repente, o que antes fazia sentido — os valores, comportamentos e modos de fazer — não se aplicam mais da mesma maneira.

Imagine que a cultura de um país é um sistema dinâmico composto por vários elementos únicos: a língua, os sistemas de dinâmicas familiares e sociais, as formas de cuidado físico e emocional, a culinária, as artes... Todos esses elementos interagem para formar uma "chave de leitura" do mundo. Ao entrar em uma nova cultura, você é desafiado não só a interpretar um mundo diferente, mas também desenvolver uma “chave de leitura” desse mundo a partir de novos referenciais.

A migração envolve uma reorganização interna significativa, exigindo que você se adapte às novas barreiras linguísticas, sociais e culturais. A recepção no novo país pode variar, sendo mais ou menos acolhedora dependendo de fatores como discriminação e racismo e diversas condições de migração que variam: sozinho ou com a família, com diferentes tipos de visto e documentação, com ou sem trabalho, etc. Essa transição pode ser potencialmente traumática, uma vez que desafia profundamente seu senso de identidade e pertencimento.

Além disso, os sentimentos de perda e ambivalência são comuns. Você pode sentir saudade da sua terra natal, ao mesmo tempo que tenta se integrar à nova cultura. Há um conflito inerente entre a preservação da identidade original e a necessidade de adaptação ao novo ambiente. Este processo pode ser desgastante e desafiador.

Para navegar por essas águas turbulentas, é necessário um processo intenso de reavaliação e renegociação dos valores e formas de ser, pensar e agir que você internalizou ao longo da vida. Esse processo de transformação não é apenas uma adaptação superficial, mas uma reconstrução profunda de como você vê o mundo e a si mesmo.

No entanto, há também um lado positivo nesse desafio. A migração, embora carregue potenciais traumas, também oferece oportunidades incríveis de crescimento pessoal e enriquecimento. Ao abraçar as diferenças e valorizar a diversidade, você pode se abrir para novas formas de pensar e viver que enriquecem sua identidade e expandem seus horizontes.

Para os expatriados, reconhecer a profundidade dessa transformação pode ser o primeiro passo para se sentirem validados e entendidos em suas experiências. A migração é uma jornada de reavaliação e crescimento, uma oportunidade para reinventar-se e descobrir novas formas de ser no mundo.

Se você está vivendo essa experiência de mudança de país, lembre-se de que é natural sentir-se perdido ou confuso. Essa é uma parte fundamental da sua jornada psíquica. Com o tempo você encontrará novas maneiras de dar sentido à sua vida e enriquecer sua identidade.

Sentir-se apoiado, visto e ouvido nesse processo ajuda muito. Compartilhar estes desafios com quem também vivencia essa jornada faz o caminho ficar mais leve. A terapia pode ser um espaço valioso para explorar essas transformações internas e externas. Um lugar onde você pode examinar suas experiências em profundidade, entender seus sentimentos e encontrar maneiras construtivas de se adaptar ao novo ambiente. Conversar com um profissional pode proporcionar o apoio necessário para encontrar um novo equilíbrio e a fortalecer sua resiliência em meio às mudanças.

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Além da minha experiência, este texto foi criado com base nos conhecimentos da etnopsicanálise, disciplina fundada pelo antropólogo e psicanalista George Devereux na década de 1960, da autora Marie Rose Moro e do artigo “Clínica Transcultural” da Marcella Monteiro de Souza e Silva.

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